20 novembro 2009

A Internet no contexto familiar

Juciano Lacerda
Prof. Decom/UFRN


Certa vez fui convidado para falar aos pais de um colégio particular sobre o tema da Internet. O primeiro diagnóstico foi desesperador. Assim como os pais não tinham mais controle sobre o que os filhos assistiam na TV, depois que instalaram aparelhos nos quartos dos filhos, também não o tinham sobre a Internet, uma vez que repetiram o mesmo equívoco: colocaram computadores em rede no quarto da criançada.

Como acompanhar, como aconselhar, como saber o que se passa? Quase impossível. Daí vem graves problemas: acesso a páginas impróprias para crianças; risco de deixar senhas abertas para roubos on line; alvo fácil para pedófilos... A lista é grande.
Um dos problemas centrais não está na TV ou na Internet, mas no contexto familiar, que vem perdendo seu papel de mediador entre a criança e a realidade social e as tecnologias. Trocando em miúdos: num primeiro momento, os pais elegeram a TV como “babá eletrônica”. Ligavam-na e deixavam os filhos ali, diante da janela para o mundo, uma vez que ficavam “quietinhos”. Agora, temos a “ciber-babá”, a “babá digital”, com a qual a criança também interage muito mais.

Como nossas famílias vem deixando de ocupar as ruas, as praças, os parques, com medo da violência (se a gente ocupasse coletivamente esses espaços, não haveria tanto espaço para os criminosos). E a única opção de lazer dos filhos passa a ser a TV ou a Internet. E muitos usam-na bem, por exemplo, para interagir com outro coleguinhas também “sitiados” dentro de seus próprios apartamentos. Mas ficar demais diante do computador não faz bem nem a gente grande, quanto mais a gente pequena.

Em pesquisa que realizei durante doutoramento, percebi que em bairros populares – onde as crianças ainda vão para as ruas, praças e salões de igrejas, ou usam a Internet coletivamente em telecentros comunitários – o uso da Internet é muito mais sadio, produtivo e, principalmente, controlável pelos pais.

Duas lições ficam dessas experiências. A primeira é que o computador com Internet tem que ficar, em casa, num local coletivo, em que toda a família possa ter acesso, com horários bem estabelecidos e regras para todos. É uma primeira lição de convívio social e de partilha do tempo de uso da informação. Um processo altamente educativo e de saudável controle: cada um espera sua hora, usa o seu tempo e tem a sensação de que sempre alguém o está observando em sua navegação.

A segunda lição é uma questão em que sempre penso. Por que nos condomínios fechados, os pais se preocupam e gastam tanto com segurança (câmeras de vídeo, vigilantes, alarmes, cercas elétricas etc) e não destinam um centavo sequer para contratar um recreador? Ele poderia brincar, no pátio, com todos os filhos dos condôminos, que trocariam, com certeza, a TV ou a Internet, por correr, pular e brincar com coleguinhas de carne, osso e energia pura e vital.

Publicado no Jornal A Ordem, Natal-RN, em 15 de novembro de 2009.

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15 novembro 2009

Acompanhamos o que nossos filhos vêem na TV?

Juciano Lacerda,
jornalista e professor do Decom/UFRN


Minha filha nasceu no final de outubro deste ano, sou pai pela primeira vez e vejo que este maravilhoso acontecido mudou meu hábito televisivo. Não dá para ver novela das oito, ver conflitos familiares e deixar meu bebê sentir todas essas vibrações negativas. Desliguei a TV e passamos a ouvir música infantil e ler mais historinhas.

Por exemplo, você, pai ou mãe, está vendo TV com os filhos menores de dez anos de idade. Vai começar a novela das 18h e, de repente, durante cinco segundos, aparece um quadrinho azul claro com o número 10 (dez), seguido do texto: “Não recomendado para menores de 10 anos. Tema: conflito familiar. Contém: linguagem depreciativa e obscena e insinuações de consumo de drogas”. Esta é a Classificação Indicativa desenvolvida pelo Ministério da Justiça em conjunto com especialistas e organizações de proteção à criança e ao adolescente de todo o Brasil. É um importante instrumento para auxiliar os pais na decisão sobre o que devem ou não seus filhos ver na televisão. Ao ficar informado da sugestão de idade recomendada e que tipo de conteúdo é problemático no programa de TV, cabe ao pai ou a mãe tomar a decisão e dialogar com os filhos.

A classificação indicativa traz sete classificações: “ER” para “especialmente recomendado para crianças e adolecentes”, “L” para “Livre” e as demais correspondem a faixa etária recomendada para maiores de 10 anos, 12 anos, 14 anos, 16 anos e 18 anos. A portaria do Ministério da Justiça que estabeleceu a classificação das faixas etárias está valendo desde 12 de fevereiro de 2007. E no dia 8 de abril deste ano as TVs do Brasil inteiro foram obrigadas a cumprir também as diferenças de fusos horários em estados como Amazonas, Acre, Rondônia em que o horário é diferente da hora de Brasília.

Mas você precisa ficar atento, pois as TVs não estão cumprindo a classificação como deveriam. A TV Globo, por exemplo, tem um programa exibido no final da manhã (que seria horário livre “L”) voltado para crianças, a TV Globinho. E nesse programa, por volta das 11h, no início de 2009, era exibido o desenho “Os Simpsons”. Uma análise de “Os Simpsons” aponta a presença de tortura, mutilação, violência gratuita, violência familiar. Logo, ele deveria ter a classificação indicativa para maiores de 14 ou, até mesmo, 16 anos. Na época, fiz uma denúncia ao Ministério Público e, coincidência, ou não, “Os Simpsons” deixaram a programação. Você também deve estar vigilante e fazer a denúncia quando um programa veiculado na televisão não respeita a classificação indicativa. Com essa atitude você estará protegendo seus filhos e contribuindo para a cidadania. Entre em contato com o Ofício do Ministério Público em Natal através da Ouvidoria: 0800-2848484. O contato também pode ser feito por e-mail: ouvidoriamp@rn.gov.br.

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13 novembro 2009

Cultura Popular e Indústria Cultural

Juciano Lacerda
Prof. DECOM/UFRN

O Brasil celebrou o Dia Nacional da Cultura em 05 de novembro, data do nascimento do jurista Rui Barbosa. Bem, não vou me deter em historiografar a vida do nosso famoso intelectual brasileiro. Nestas linhas que abrem minha primeira participação no Jornal A Ordem, quero problematizar a noção de culturas, no plural mesmo. Por muito tempo, tivemos uma separação entre cultura popular e cultura erudita (clássica, culta ou como queiram chamar).

Para os estudiosos da Escola de Frankfurt (Alemanha), nos anos 1940, em plena II Guerra Mundial, a cultura erudita seria aquilo que poderia levar os homens e mulheres ao “esclarecimento”, uma vez que as manifestações populares de cultura tinham, para eles, caráter rudimentar, ainda por ser trabalhado, lapidado. Entre os anos 20 e 40 do século passado, com a expansão de mercados e a popularização do rádio, do cinema, seguido depois da televisão, as empresas de comunicação se apropriaram das formas populares e cultas das diversas culturas e traduziram-nas numa linguagem mais comercial, tendo em vista chegar a um maior número de pessoas. Era o nascimento do que chamamos “cultura de massa”. Mas o que aconteceu, de fato, foi a transformação das expressões artísticas populares e eruditas em produtos para o consumo, para gerar audiência e, portanto, lucro para os mercadores da comunicação. Este fenômeno foi denominado de “indústria cultural” por Theodor Adorno, intelectual alemão.

O fenômeno da indústria cultural vem ganhando cada vez mais força em nossos tempos: indústria da música, indústria dos filmes, indústria dos livros. Em se tratando das nossas manifestações culturais populares, vivemos um grande paradoxo (fenômeno que traz em si seu contrário): por exemplo, queremos dar visibilidade a nossas danças e ritmos locais, daí procuramos uma produtora musical. Contudo, as empresas fonográficas sobrevivem do lucro e, na maioria das vezes, não vão querer publicar CDs e DVDs com a sonoridade original e característica de nossa música: “pois não vende! Não tem apelo comercial!”, vão nos dizer. O resultado é que muitas pessoas passam a conhecer nossa expressão popular, depois que sai na imprensa, na televisão, mas o resultado do CD/DVD não é mais o mesmo: ficou diferente, para agradar um público maior. Nossa cultura popular se descaracteriza e ganha um contorno de cultura massiva.

A pergunta que fica é: por que temos que nos descaracterizar para atender a um suposto “gosto médio”? Se tudo se tornar uma experiência pela média, sem guardar suas particularidades e distinções, que graça vai ter nossa produção cultural, se tudo fica igual? É preciso, portanto, encontrar novas formas de disseminação de nossas práticas culturais populares que preservem sua originalidade, reinventando a indústria cultural.

*Artigo publicado no Jornal A Ordem, de Natal-RN, no dia 01 de novembro de 2009.

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